terça-feira, 23 de dezembro de 2014
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
As unhas sujas daqueles dedinhos deviam estar apertando a
moeda na linha do tiro a mãozinha aberta a moeda
estacou ficou cara a cara a moeda do pão
na roleta russa apertou perdeu
foi um tiro só
que não mata engorda
Leticia Tandeta Tartarotti
moeda na linha do tiro a mãozinha aberta a moeda
estacou ficou cara a cara a moeda do pão
na roleta russa apertou perdeu
foi um tiro só
que não mata engorda
Leticia Tandeta Tartarotti
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
Passeio público
Solitário moribundo
tatuado num chão de praça
crepuscular
assiste em pleno dia
ao fim da estranha dança
em que pés e pombos
se interrompem
num ruído de poeira
que se ergue
sobre escombros humanos
majestosa e indiferente.
Janina Daou
terça-feira, 15 de julho de 2014
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Em baixo da cama, um susto acordado. O terror de entender
o que temia. Vão descoberto, caixa do vazio. Vento empossado no chão preso a
terra. Antes de dormir estendo a mão, varro a distancia. Depois do sono o teto,
o tempo. O sonho do esquecimento. Em baixo da cama, lugar do último hospede do
primeiro risco. O tombo depois da queda.
Da cama escorrega o que é pesado, a casca, o farelo da manhã. Em baixo os
fantasmas escondem seus medos e as crianças fingem fugir. Em cima, tento entender o que está por dentro.
Fernanda Tatagiba
quinta-feira, 3 de julho de 2014
terça-feira, 24 de junho de 2014
domingo, 22 de junho de 2014
quinta-feira, 19 de junho de 2014
Solidão
Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por coisa esquecida.
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por coisa esquecida.
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa
terça-feira, 17 de junho de 2014
As Nuvens
As nuvens são cabelos
crescendo como rios;
são gestos brancos
da cantora muda;
são gestos brancos
da cantora muda;
São estátuas em voo
à beira de um mar;
a flora e a fauna leves
de países de vento;
São o olho pintado
escorrendo imóvel;
a mulher que se debruça
nas varandas do sono;
à beira de um mar;
a flora e a fauna leves
de países de vento;
São o olho pintado
escorrendo imóvel;
a mulher que se debruça
nas varandas do sono;
São a morte (a espera da)
atrás dos olhos fechados
a medicina, branca!
Nossos dias brancos.
atrás dos olhos fechados
a medicina, branca!
Nossos dias brancos.
João Cabral de Melo Neto
domingo, 15 de junho de 2014
quinta-feira, 12 de junho de 2014
O signo vem marcado, em toda a sua laboriosa gestação, pelo escavamento do
corpo. O acento, que os Latinos chamavam anima vocis, coração da palavra e matéria prima do ritmo, é produzido por um mecanismo profundo que tem sede em movimentos abdominais do diafragma. Quando o signo consegue vir à luz, plenamente articulado e audível, já se travou, nos antros e labirintos do corpo, uma luta sinuosa do ar contra as paredes elásticas do diafragma, as esponjas dos pulmões, dos brônquios e bronquíolos, o tubo anelado e viloso da traquéia, as dobras retesadas da laringe (as cordas vocais), o orifício estreito da glote, a válvula do véu palatino que dá passagem às fossas nasais ou à boca, onde topará ainda com a massa móvel e víscida da língua e as fronteiras duras dos dentes ou brandas dos lábios.
O som do signo guarda, na sua aérea e ondulante matéria, o calor e o sabor de uma viagem noturna pelos corredores do corpo. O percurso, feito de aberturas e aperturas, dá ao som final um proto-sentido, orgânico e latente, pronto a ser trabalhado pelo ser humano na sua busca de significar. O signo é a forma da expressão de que o som do corpo foi potência, estado virtual.
Alfredo Bosi - O Ser e o Tempo na Poesia
corpo. O acento, que os Latinos chamavam anima vocis, coração da palavra e matéria prima do ritmo, é produzido por um mecanismo profundo que tem sede em movimentos abdominais do diafragma. Quando o signo consegue vir à luz, plenamente articulado e audível, já se travou, nos antros e labirintos do corpo, uma luta sinuosa do ar contra as paredes elásticas do diafragma, as esponjas dos pulmões, dos brônquios e bronquíolos, o tubo anelado e viloso da traquéia, as dobras retesadas da laringe (as cordas vocais), o orifício estreito da glote, a válvula do véu palatino que dá passagem às fossas nasais ou à boca, onde topará ainda com a massa móvel e víscida da língua e as fronteiras duras dos dentes ou brandas dos lábios.
O som do signo guarda, na sua aérea e ondulante matéria, o calor e o sabor de uma viagem noturna pelos corredores do corpo. O percurso, feito de aberturas e aperturas, dá ao som final um proto-sentido, orgânico e latente, pronto a ser trabalhado pelo ser humano na sua busca de significar. O signo é a forma da expressão de que o som do corpo foi potência, estado virtual.
Alfredo Bosi - O Ser e o Tempo na Poesia
por isso cuida-te ama o que fazes e faça-o com tudo que tens qualquer que seja seu trabalho põe individualidade nele esforça por por qualquer coisa de único de diferente de teu há aventura até em fazer embrulho há campo de criação até na redação de faturas
ser todo em cada coisa põe quanto eis no mínimo que fazes assim em cada lago a lua toda brilha por que alta vivi
tudo é encontrar qualquer coisa mesmo perder é achar o estado de ter essa coisa perdida nada se perde só se encontra qualquer coisa
sentir é buscar
Elisa Lucinda sobre Fernando Pessoa
ser todo em cada coisa põe quanto eis no mínimo que fazes assim em cada lago a lua toda brilha por que alta vivi
tudo é encontrar qualquer coisa mesmo perder é achar o estado de ter essa coisa perdida nada se perde só se encontra qualquer coisa
sentir é buscar
Elisa Lucinda sobre Fernando Pessoa
segunda-feira, 9 de junho de 2014
38
eu
estou
te pedindo
querida é pra
que mais poderia um
não mas não é o que
claro mas você não parece
entender que eu não posso ser
mais claro a guerra não é o que
imaginamos mas por favor pelo amor de Oh
que diabo sim é verdade que fui
eu mas esse eu não sou eu
você não vê que agora não nem
sequer cristo mas você
precisa compreender
como porque
eu estou
morto
E. E. Cummings.
sábado, 7 de junho de 2014
Já faz um bocejo que eu não te vejo há tanto tempo
Tento escrever para sentir esse efeito na face que é a sua ausência
Tento escrever para sentir esse efeito na face que é a sua ausência
Meu nome é vermelho no rosto
Se alguém me visse agora
veria não um, mas uma horda
uma orla
Viria correndo dizendo
te vi outro dia
veria não um, mas uma horda
uma orla
Viria correndo dizendo
te vi outro dia
Flagrei uma pena em mim de nós dois
dos bons tempos aqueles
Uma pena do pássaro que teríamos sido
e que pena que o passo foi mais largo que as pernas
Penas de um travesseiro em que deitamos
como cavalos
que se deitam pra morrer
dos bons tempos aqueles
Uma pena do pássaro que teríamos sido
e que pena que o passo foi mais largo que as pernas
Penas de um travesseiro em que deitamos
como cavalos
que se deitam pra morrer
Vitor Paiva
sexta-feira, 6 de junho de 2014
quinta-feira, 5 de junho de 2014
SONETO II
Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
A luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à note, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.
Mário Faustino
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
A luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à note, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.
Mário Faustino
quarta-feira, 4 de junho de 2014
O Beijo
Ao me beijar
esqueceu uma palavra em minha boca
Devo guardá-la
embaixo da língua?
engoli-la como um comprimido
a seco?
mordê-la até sentir
seu gosto de fruta
estrangeira, especiaria, álcool
duvidoso?
devolvê-la
num beijo
a ele?
a outro?
embaixo da língua?
engoli-la como um comprimido
a seco?
mordê-la até sentir
seu gosto de fruta
estrangeira, especiaria, álcool
duvidoso?
devolvê-la
num beijo
a ele?
a outro?
É pequena e dura
mais salgada que doce
e amarga um pouco
no fim
mais salgada que doce
e amarga um pouco
no fim
Ana Martins Marques
terça-feira, 3 de junho de 2014
O mundo que eu venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória
Mário Faustino
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Sinto como se houvessem escrito ofensas em minha lápide;
Sinto um tremor: Como se outra pessoa houvesse confessado e morrido pelos meus pecados
E não houvesse sido Jesus Cristo, apenas uma desconhecida cantora de jazz em Cuba;
Sinto como se neste exato momento alguém cavasse um buraco
Um buraco lento e seco e irregular embaixo de minha casa,
E temo que descubram o local exato onde enterrei a criança que eu costumava ser.
E neste buraco plantem uma árvore trêmula de flores brancas que assombrará meus dias
(...)
Rodrigo Ribeiro
Escolhi pra mim as duas carreiras mais ingratas de que tenho conhecimento, a de escritor, que é vista com cada vez mais descrença no Brasil, e a de pintor: "Tá, mas você trabalha em quê?" - eles dizem. Sabia o tempo todo das dificuldades que passaria nessas carreiras, portanto isso não é uma reclamação, mas uma constatação.
A sociedade brasileira salienta a si um pragmatismo estúpido, que almejaresultados de cunho direto, imediato, reprovando o interesse pela edificação e o processo lento, o cultivo do caráter moldado desbastada por desbastada.
Há uma força incalculável sendo desperdiçada por culpa do desprezo pela literatura, pela poesia, pelo teatro, pelas artes. Isso porque daqui são enxotados os que fazem de seu esclarecimento e sua infinita curiosidade a fome que alimenta as próprias paixões. E se você se encaixa na estirpe de pessoas observando os pingos coloridos por detrás da trama cinza que compõe as metrópoles, se se depara diariamente com multidões cuja letargia do cotidiano te comove justamente por não se sentir parte dela, se da sua mente prolifera uma inquietude hedionda que superlota o espaço dessa redonda caixa onde se esconde seu cérebro, então, meu amigo, infelizmente você faz parte da gama famigerada de sujeitos que não se importam muito com aquilo que a maioria intenciona. Você não pertence a um mundo de concretudes racionais, é seu o Mundo Sensível (subentenda como sensível, nos dias atuais, tudo aquilo que é facilmente vítima de preconceito), portanto tema por sua própria alma!
No entanto, saiba também que mesmo estando sempre marginalizados, os seus habitantes, apesar de sofrerem mais, ao alcançarem o sucesso são tão preciosos - e a maioria um tanto mais célebres - quanto aos que nadam a favor da maré pela força do hábito. É aqui, no campo da subjetividade, do pensamento complexo, da vida intensa de ardores e da visão genuína, que residem os verdadeiros líderes criativos, os pensadores e vanguardistas - aqueles que movem os vagões da história.
Inspire-se. Não desista. O nosso caminho por vezes soa insuportável, às vezes é mesmo, entretanto ao resignar da própria sede, terá renunciado não só a si mesmo, mas também a um futuro de potências devastadoras, pois acredite: o coração, daqueles que sentem e enxergam o mundo de uma maneira completa e enlouquecidamente original, é um lar de sonhos possíveis.
Márcio Couto
A sociedade brasileira salienta a si um pragmatismo estúpido, que almejaresultados de cunho direto, imediato, reprovando o interesse pela edificação e o processo lento, o cultivo do caráter moldado desbastada por desbastada.
Há uma força incalculável sendo desperdiçada por culpa do desprezo pela literatura, pela poesia, pelo teatro, pelas artes. Isso porque daqui são enxotados os que fazem de seu esclarecimento e sua infinita curiosidade a fome que alimenta as próprias paixões. E se você se encaixa na estirpe de pessoas observando os pingos coloridos por detrás da trama cinza que compõe as metrópoles, se se depara diariamente com multidões cuja letargia do cotidiano te comove justamente por não se sentir parte dela, se da sua mente prolifera uma inquietude hedionda que superlota o espaço dessa redonda caixa onde se esconde seu cérebro, então, meu amigo, infelizmente você faz parte da gama famigerada de sujeitos que não se importam muito com aquilo que a maioria intenciona. Você não pertence a um mundo de concretudes racionais, é seu o Mundo Sensível (subentenda como sensível, nos dias atuais, tudo aquilo que é facilmente vítima de preconceito), portanto tema por sua própria alma!
No entanto, saiba também que mesmo estando sempre marginalizados, os seus habitantes, apesar de sofrerem mais, ao alcançarem o sucesso são tão preciosos - e a maioria um tanto mais célebres - quanto aos que nadam a favor da maré pela força do hábito. É aqui, no campo da subjetividade, do pensamento complexo, da vida intensa de ardores e da visão genuína, que residem os verdadeiros líderes criativos, os pensadores e vanguardistas - aqueles que movem os vagões da história.
Inspire-se. Não desista. O nosso caminho por vezes soa insuportável, às vezes é mesmo, entretanto ao resignar da própria sede, terá renunciado não só a si mesmo, mas também a um futuro de potências devastadoras, pois acredite: o coração, daqueles que sentem e enxergam o mundo de uma maneira completa e enlouquecidamente original, é um lar de sonhos possíveis.
Márcio Couto
domingo, 1 de junho de 2014
(...) recusando a certeza, o acabado das frases feitas, em nome de sua verdade, o ironista nega não porque não crê, como o cético, mas porque nada pode garantir; recusando a escolha, tudo arrisca; vendo, manifesta o jogo de oposições que lhe é dado perceber; declarando-o, intervêm, e a sua intervenção (...) é recusa de solução das contradições.
Ferraz no livro A Ironia Romântica
Ferraz no livro A Ironia Romântica
sábado, 31 de maio de 2014
os mais variados carrascos, ditadores, fanáticos e demagogos, que lutam pelo poder com a ajuda de meia dúzia de slogans, também gostam do seu trabalho e também o fazem com imaginação. Sim. Mas eles sabem. Sabem. E o que sabem chega-lhes para a vida inteira. Nada mais lhes interessa, pois o resto poderia enfraquecer a força de seus argumentos. Mas o saber que não dá origem a novas perguntas, rapidamente se torna um saber morto. Nos casos mais extremos, como sabemos da história antiga e recente, esse saber consegue ser uma ameaça mortal para a sociedade. Por isso, eu tenho em grande estima duas pequenas palavras: não sei.
Wislawa Szymborka
Wislawa Szymborka
A fugacidade dos sonhos leva a que a memória os sacuda facilmente de si
A realidade não tem que recear o esquecimento
Pesada é a sua arte
Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés
Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia
E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera
Wislawa Szymborska
A realidade não tem que recear o esquecimento
Pesada é a sua arte
Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés
Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia
E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera
Wislawa Szymborska
museu
Há pratos, mas falta apetite.
Há alianças, mas o amor recíproco se foi
há pelo menos trezento anos.
Há um leque –onde os rubores?
Há espada– onde a ira?
E o alaúde nem ressoa na hora sombria.
Por falta de eternidade
juntaram dez mil velharias (…)
A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a uva.
A bota direita derrotou a perna.
Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
Minha competição com o vestido continua.
E que teimosia a dele!
Como ele adoraria sobreviver!
Wislawa szymborska
Coração batendo sem que se ouça
Dias se sucedem,
semanas se sucedem,
torvelinham
num galope célere;
como se cavalgássemos
sobre um tempo de aço
voando
– olhos abertos –
pelo espaço.
Assim a vida,
ela nos atravessa –
o ouvido zoa,
o coração dispara,
como
se quisesse
saltar para
fora,
– é só o que lhe resta!
Se alguém
tenta detê-lo,
ele se altera:
toca a rebate,
dá por paus e pedras!
E quantas vezes
o coração
explode
e não se ouve
a explosão
que o sacode.
Nicolai Assiéivev
Tradução de Haroldo de Campos
sexta-feira, 30 de maio de 2014
pra que a pressa?
o amor acabou
devolver o choro
aos filmes
e a graça
aos outros
pra que a pressa?
terminamos
antes do limite do fim
ainda há tempo
de lembrar
de esquecer de novo
o amor acabou
recolhemos a dança
de março
depois da chuva
pra que a pressa?
correremos juntos
um para cada lado
Fernanda Tatagiba
o amor acabou
devolver o choro
aos filmes
e a graça
aos outros
pra que a pressa?
terminamos
antes do limite do fim
ainda há tempo
de lembrar
de esquecer de novo
o amor acabou
recolhemos a dança
de março
depois da chuva
pra que a pressa?
correremos juntos
um para cada lado
Fernanda Tatagiba
quinta-feira, 29 de maio de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
Sabedoria
Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.
Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.
Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.
Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.
Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
segunda-feira, 26 de maio de 2014
isso é um fato
na companhia de tolos
nós relaxamos em
aterros ordinários,
apreciamos comida ruim,
bebida barata,
conhecemos homens e
mulheres do
inferno.
na companhia de tolos
jogamos os dias fora como
guardanapos de papel.
nós relaxamos em
aterros ordinários,
apreciamos comida ruim,
bebida barata,
conhecemos homens e
mulheres do
inferno.
na companhia de tolos
jogamos os dias fora como
guardanapos de papel.
com essa companhia
nossa música é alta e nosso
riso
falso.
nossa música é alta e nosso
riso
falso.
não temos nada a perder
além de nós mesmos.
além de nós mesmos.
junte-se a nós
nós somos agora
quase que
todo o
mundo.
nós somos agora
quase que
todo o
mundo.
Deus nos
abençoe
abençoe
Bukowski
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
e quando, novamente brigamos...
você sem pensar direito diz: vou embora!
eu, porque penso demais, digo : então vai!
eu torço pra que você não tenha coragem de ir.
você torce pra eu ter coragem de pedir pra você ficar.
E você tem coragem de ir, infelizmente.
E me falta coragem de pedir pra você ficar, infelizmente.
E a porta bate, mais uma vez.
E nunca sei se você voltará, embora sempre tenha voltado.
e não temos coragem de perguntar se ficamos com outras pessoas nesse tempo que estivemos afastados um do outro.
e no fundo , pouco importa, porque, no fundo, no fundo, pouco importa.
E o que mais quero é te contar tudo de bom que aconteceu enquanto você esteve longe.
Mas, acontece que nada aconteceu de bom enquanto você esteve longe, justamente porque você esteve longe.
e só assim percebo, que preciso,
de você, por perto,
e sem saber de tudo isso que escrevi.
Você desiste da ideia de ir embora. e diz:
Sei que você precisa de mim! Eu também preciso de você! Por isso voltei!
Felipe Araujo
O que não cola aos olhos
se recolhe às dobras da voz em trevas para outra noite
reticente nos lábios infinitos do murmúrio
atados pelo impulso da maré escura
que dimana no silêncio no momento
em que o pulso separa as mil peles do escombro
e o ser expulso gira no interlúdio
ao sair do tumulto ilusório que gera a cegueira
por não conter a febre em seus enclausuráveis poros.
se recolhe às dobras da voz em trevas para outra noite
reticente nos lábios infinitos do murmúrio
atados pelo impulso da maré escura
que dimana no silêncio no momento
em que o pulso separa as mil peles do escombro
e o ser expulso gira no interlúdio
ao sair do tumulto ilusório que gera a cegueira
por não conter a febre em seus enclausuráveis poros.
Contador Borges
domingo, 25 de maio de 2014
Dois, como necessário ao
abraço. Um, como possível no beijo. Encarnados no começo. A inocência da timidez
descoberta. O amor sem a forma de outros nomes. Ainda novos, apesar de jovens. Andam
despreocupadamente juntos. Alguém poderia passar nesse instante entre eles, na
calçada, e desatar as mãos. Tiraria um pedaço do infinito, antecedendo o fim. O único
amor que não sabe que é o primeiro. Alguém poderia passar ali e dizer para
aproveitar, mas continuaram como antes. Ou contar que tudo não passa de um
momento, que acabaria em alguns anos. Espalhados em bancos, em baixo de árvores,
dedos entre as mãos, seguem duvidando.
Fernanda Tatagiba
sábado, 24 de maio de 2014
sexta-feira, 23 de maio de 2014
coração
É tão leve o espelho que sua decisão é voar
gostaria de achar um céu:
alto alto celeste grande grandíssimo
em contato
uma grandeza
(é agora que se nos revela um ínfimo cristal)
Nada disto pode escrever:
o gesto que traça a liberdade ea liberdade dos limites
O espelho bate
dobra sobre si a musculatura
torce em hélice e, finalmente, voltar encartar
A grandeza
que não guarda relação com a medida
pensasse no coração
"Você tem que termar das águas
sua decisão é voar "
Nada se assemelha ao mundo
que é separado e desigual e outro
mundo tudo o que é
Nunca termina nunca o inferno
e nunca é verdade
Como a sombra do céu nas águas
e da floresta no céu das águas
rítmico
como um dia de nevoeiro
É enxuto permanecer aqui
(um deserto abra qualquer crença e também a fortaleza abra)
é liberada agudo estreito
Chus Pato
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Fartura e Carência
Mas o pior é
o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e não se
quer mais nada. Cansaço dos Beatles. E cansaço também daqueles que não
são. Cansaço
inclusive de minha liberdade íntima que foi tão duramente conquistada. Cansaço
de um amar o
outro. Melhor seria o ódio. O que me salvaria dessa impressão de fartura -
é fartura ou
uma liberdade de que está sendo inútil? - seria a raiva. Não um tipo de
raiva amorosa que
existe. Mas a raiva simples e violenta. Quanto mais violenta, melhor. Raiva
dos que não
sabem de nada. Raiva também dos inteligentes do tipo que dizem coisas.
Raiva do cinema novo,
por que não? E o outro cinema também. Raiva da afinidade que sinto com algumas
pessoas, como se já não houvesse fartura de mim em mim. E raiva do sucesso?
O sucesso é
uma gafe, é uma falsa realidade. A raiva me tem salvo a vida. Sem ela o que
seria de mim? Como
suportaria eu a manchete que um dia saiu no jornal dizendo que cem
crianças morrem no
Brasil diariamente de fome? A raiva é a minha revolta mais profunda de
ser gente? Ser
gente me cansa. E tenho raiva de sentir tanto amor. Há dias que vivo de raiva
de viver.
Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta. Bem sei que isso
vai passar, e
que a carência necessária volta. Então vou querer tudo, tudo! Ah como é
bom precisar e
ir tendo. Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
Mas ter
facilmente, não. Porque essa aparente facilidade cansa. Até escrever está sendo
fácil? Por que é
que eu escrevia com as entranhas e neste momento estou escrevendo com a
ponta dos dedos? É
um pecado, bem sei, querer a carência. Mas a carência de que falo é mais plenitude do
que essa espécie de fartura. Simplesmente não a quero. Vou dormir porque não estou
suportando este meu mundo hoje, cheio de coisas inúteis. Boa-noite para sempre,
para sempre. Até
sábado que vem. E não me respondam: não quero ouvir a voz humana. E se suporto a
minha voz se despedindo é porque ela piora de muito a minha raiva. Só uma
raiva, no entanto, é bendita: a dos que precisam.
Clarice Lispector
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