sábado, 31 de maio de 2014

os mais variados carrascos, ditadores, fanáticos e demagogos, que lutam pelo poder com a ajuda de meia dúzia de slogans, também gostam do seu trabalho e também o fazem com imaginação. Sim. Mas eles sabem. Sabem. E o que sabem chega-lhes para a vida inteira. Nada mais lhes interessa, pois o resto poderia enfraquecer a força de seus argumentos. Mas o saber que não dá origem a novas perguntas, rapidamente se torna um saber morto. Nos casos mais extremos, como sabemos da história antiga e recente, esse saber consegue ser uma ameaça mortal para a sociedade. Por isso, eu tenho em grande estima duas pequenas palavras: não sei. 


Wislawa Szymborka 
A fugacidade dos sonhos leva a que a memória os sacuda facilmente de si
 A realidade não tem que recear o esquecimento
Pesada é a sua arte
Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés
Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia
E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera

Wislawa Szymborska 

museu

Há pratos, mas falta apetite.
Há alianças, mas o amor recíproco se foi
há pelo menos trezento anos.
Há um leque –onde os rubores?
Há espada– onde a ira?
E o alaúde nem ressoa na hora sombria.
Por falta de eternidade
juntaram dez mil velharias (…)
A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a uva.
A bota direita derrotou a perna.
Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
Minha competição com o vestido continua.
E que teimosia a dele!
Como ele adoraria sobreviver!


Wislawa szymborska 

Coração batendo sem que se ouça


Dias se sucedem,
                            semanas se sucedem,
torvelinham
                    num galope célere;
como se cavalgássemos
                                       sobre um tempo de aço
voando
 – olhos abertos –
     pelo espaço.
Assim a vida,
                      ela nos atravessa –
o ouvido zoa,
                      o coração dispara,
como
        se quisesse
                           saltar para
fora,
         – é só o que lhe resta!
Se alguém
                  tenta detê-lo,
                                        ele se altera:
toca a rebate,
                      dá por paus e pedras!
E quantas vezes
                           o coração
                                            explode
e não se ouve
                       a explosão
                                         que o sacode.


Nicolai Assiéivev

Tradução de Haroldo de Campos

por todas as manhãs gastas em coisas ordinárias
como escola, roupas e chão da casa
nas passagens de anos 
- gritos em baixo dos estouros
na estreiteza imperfurável que separa
os dias 

muita atenção
para não ser descoberta
nossa falta


Fernanda Tatagiba

sexta-feira, 30 de maio de 2014

pra que a pressa?
o amor acabou

devolver o choro 
aos filmes
e a graça
aos outros

pra que a pressa?
terminamos 
antes do limite do fim
ainda há tempo
de lembrar
de esquecer de novo 

o amor acabou 
recolhemos a dança
de março 
depois da chuva

pra que a pressa?
correremos juntos
um para cada lado


Fernanda Tatagiba

quinta-feira, 29 de maio de 2014

terça-feira, 27 de maio de 2014

a casa
incansável em se guardar 
talhada na parede
vende os retratos 

chão dos pássaros
entorta a chuva 

abriga os homens 
mas não deixa
suas janelas

sem rumo

em todo canto

a casa parou
para alguém
passar




Fernanda Tatagiba

Sabedoria

Desde que tudo me cansa, 
Comecei eu a viver. 
Comecei a viver sem esperança... 
E venha a morte quando 
Deus quiser. 

Dantes, ou muito ou pouco, 
Sempre esperara: 
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco 
Voava das estrelas à mais rara; 
Outras, tão pouco, 
Que ninguém mais com tal se conformara. 

Hoje, é que nada espero. 
Para quê, esperar? 
Sei que já nada é meu senão se o não tiver; 
Se quero, é só enquanto apenas quero; 
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . . 
E venha a morte quando Deus quiser. 

Mas, com isto, que têm as estrelas? 
Continuam brilhando, altas e belas. 

José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

segunda-feira, 26 de maio de 2014

isso é um fato
na companhia de tolos
nós relaxamos em
aterros ordinários,
apreciamos comida ruim,
bebida barata,
conhecemos homens e
mulheres do
inferno.
na companhia de tolos
jogamos os dias fora como
guardanapos de papel.
com essa companhia
nossa música é alta e nosso
riso
falso.
não temos nada a perder
além de nós mesmos.
junte-se a nós
nós somos agora
quase que
todo o
mundo.
Deus nos
abençoe

Bukowski 
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio 
Ter curiosidade no outro não é só tarefa do escritor mas um imperativo moral

Amos  Oz


e quando, novamente brigamos...
você sem pensar direito diz: vou embora!
eu, porque penso demais, digo : então vai!
eu torço pra que você não tenha coragem de ir.
você torce pra eu ter coragem de pedir pra você ficar.
E você tem coragem de ir, infelizmente.
E me falta coragem de pedir pra você ficar, infelizmente.
E a porta bate, mais uma vez.
E nunca sei se você voltará, embora sempre tenha voltado.
e não temos coragem de perguntar se ficamos com outras pessoas nesse tempo que estivemos afastados um do outro.
e no fundo , pouco importa, porque, no fundo, no fundo, pouco importa.
E o que mais quero é te contar tudo de bom que aconteceu enquanto você esteve longe.
Mas, acontece que nada aconteceu de bom enquanto você esteve longe, justamente porque você esteve longe.
e só assim percebo, que preciso,
de você, por perto,
e sem saber de tudo isso que escrevi.
Você desiste da ideia de ir embora. e diz:
Sei que você precisa de mim! Eu também preciso de você! Por isso voltei!

Felipe Araujo
O que não cola aos olhos
se recolhe às dobras da voz em trevas para outra noite
reticente nos lábios infinitos do murmúrio
atados pelo impulso da maré escura
que dimana no silêncio no momento
em que o pulso separa as mil peles do escombro
e o ser expulso gira no interlúdio
ao sair do tumulto ilusório que gera a cegueira
por não conter a febre em seus enclausuráveis poros.


Contador Borges

domingo, 25 de maio de 2014

Dois, como necessário ao abraço. Um, como possível no beijo. Encarnados no começo. A inocência da timidez descoberta. O amor sem a forma de outros nomes. Ainda novos, apesar de jovens. Andam despreocupadamente juntos. Alguém poderia passar nesse instante entre eles, na calçada, e desatar as mãos. Tiraria um pedaço do infinito, antecedendo o fim. O único amor que não sabe que é o primeiro. Alguém poderia passar ali e dizer para aproveitar, mas continuaram como antes. Ou contar que tudo não passa de um momento, que acabaria em alguns anos. Espalhados em bancos, em baixo de árvores, dedos entre as mãos, seguem duvidando.


Fernanda Tatagiba 
Consegui viver até hoje porque desde cedo adestrei-me a me perturbar, a me criar tormentos, a tentar me destruir: confiando sempre nas minhas grandes reservas de eletricidade. Renasço cada dia dos meus próprios crimes. Viver é refazer o erro

Murilo Mendes

sexta-feira, 23 de maio de 2014

coração


É tão leve o espelho que sua decisão é voar
gostaria de achar um céu:
alto alto celeste grande grandíssimo
em contato
uma grandeza
(é agora que se nos revela um ínfimo cristal)
Nada disto pode escrever:
o gesto que traça a liberdade ea liberdade dos limites
O espelho bate
dobra sobre si a musculatura
torce em hélice e, finalmente, voltar encartar
A grandeza
que não guarda relação com a medida
pensasse no coração
"Você tem que termar das águas
sua decisão é voar "
Nada se assemelha ao mundo
que é separado e desigual e outro
mundo tudo o que é
Nunca termina nunca o inferno
e nunca é verdade
Como a sombra do céu nas águas
e da floresta no céu das águas
rítmico
como um dia de nevoeiro
É enxuto permanecer aqui
(um deserto abra qualquer crença e também a fortaleza abra)
é liberada agudo estreito


Chus Pato
qualquer problema
que você tiver
comigo
é seu 


Bukowski 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Mergulha desde já na substância infinita.
Agora e sempre.
Cartas a Spinoza- Nise da Silveira

Fartura e Carência

Mas o pior é o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e não  se quer mais nada. Cansaço dos Beatles. E cansaço também daqueles que não são. Cansaço inclusive de minha liberdade íntima que foi tão duramente conquistada. Cansaço de um amar o outro. Melhor seria o ódio. O que me salvaria dessa impressão de fartura - é fartura ou uma liberdade de que está sendo inútil? - seria a raiva. Não um tipo de raiva amorosa que existe. Mas a raiva simples e violenta. Quanto mais violenta, melhor. Raiva dos que não sabem de nada. Raiva também dos inteligentes do tipo que dizem coisas. Raiva do cinema novo, por que não? E o outro cinema também. Raiva da afinidade que sinto com algumas pessoas, como se já não houvesse fartura de mim em mim. E raiva do sucesso? O sucesso é uma gafe, é uma falsa realidade. A raiva me tem salvo a vida. Sem ela o que seria de mim? Como suportaria eu a manchete que um dia saiu no jornal dizendo que cem crianças morrem no Brasil diariamente de fome? A raiva é a minha revolta mais profunda de ser gente? Ser gente me cansa. E tenho raiva de sentir tanto amor. Há dias que vivo de raiva de viver. Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta. Bem sei que isso vai passar, e que a carência necessária volta. Então vou querer tudo, tudo! Ah como é bom precisar e ir tendo. Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter. Mas ter facilmente, não. Porque essa aparente facilidade cansa. Até escrever está sendo fácil? Por que é que eu escrevia com as entranhas e neste momento estou escrevendo com a ponta dos dedos? É um pecado, bem sei, querer a carência. Mas a carência de que falo é mais plenitude do que essa espécie de fartura. Simplesmente não a quero. Vou dormir porque não estou suportando este meu mundo hoje, cheio de coisas inúteis. Boa-noite para sempre, para sempre. Até sábado que vem. E não me respondam: não quero ouvir a voz humana. E se suporto a minha voz se despedindo é porque ela piora de muito a minha raiva. Só uma raiva, no entanto, é bendita: a dos que precisam.


Clarice Lispector 

Poema do Silêncio

Sim, foi por mim que gritei. 
Declamei, 
Atirei frases em volta. 
Cego de angústia e de revolta. 

Foi em meu nome que fiz, 
A carvão, a sangue, a giz, 
Sátiras e epigramas nas paredes 
Que não vi serem necessárias e vós vedes. 

Foi quando compreendi 
Que nada me dariam do infinito que pedi, 
- Que ergui mais alto o meu grito 
E pedi mais infinito! 

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas, 
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas 
Que, sem rumo, 
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo... 

O que buscava 
Era, como qualquer, ter o que desejava. 
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo, 
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo. 

Que só por me ser vedado 
Sair deste meu ser formal e condenado, 
Erigi contra os céus o meu imenso Engano 
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano! 

Senhor meu Deus em que não creio! 
Nu a teus pés, abro o meu seio 
Procurei fugir de mim, 
Mas sei que sou meu exclusivo fim. 

Sofro, assim, pelo que sou, 
Sofro por este chão que aos pés se me pegou, 
Sofro por não poder fugir. 
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir! 

Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação! 
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...) 
Senhor dá-me o poder de estar calado, 
Quieto, maniatado, iluminado. 

Se os gestos e as palavras que sonhei, 
Nunca os usei nem usarei, 
Se nada do que levo a efeito vale, 
Que eu me não mova! que eu não fale! 

Ah! também sei que, trabalhando só por mim, 
Era por um de nós. E assim, 
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade, 
Lutava um homem pela humanidade. 

Mas o meu sonho megalómano é maior 
Do que a própria imensa dor 
De compreender como é egoísta 
A minha máxima conquista... 

Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros 
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros, 
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á, 
E sobre mim de novo descerá... 

Sim, descerá da tua mão compadecida, 
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida. 
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome 
Saciarão a minha fome. 

José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'

terça-feira, 20 de maio de 2014

nasceu 
pode ser visto de longe
um homem 
ou um voo 
e ainda mais distante é possível 
sentir 
o que pulsa e que antes 
- mesmo muito de perto 
não existia



Fernanda Tatagiba

O BLUEBIRD

meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo, fica aí dentro, eu não vou
deixar ninguém
te ver.
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu taco uísque nele e respiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas de mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo,
fica na tua, você quer me pôr
em apuros?
você quer sacanear a minha
obra?
acabar com a minha venda de livros na
Europa?
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo.
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
daí o ponho de volta,
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme junto desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isso é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?

Bukowski 
o amor é um umbigo
em um milhão


Fernanda Tatagiba
o amor 
abandonou o nome

deferiu os corpos
cor ao sangue

deixou a vontade
cama contra carne 

agora pode
participar da farra



Fernanda Tatagiba



Mas vós, por favor, não vos indigneis.
Toda criatura precisa da ajuda dos outros.



Bertolt Brecht

fotografia: Fernanda Tatagiba

domingo, 18 de maio de 2014

os objetos moram nas coisas
feitas com formato dos nomes 
esperam mortos 
pela cor dos olhos



Fernanda Tatagiba
a falta
mudou de assunto
parou no tempo
parece pronta 
mas nunca acaba 


Fernanda Tatagiba 




as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis 


Manoel de Barros 


fotografia: Fernanda Tatagiba

sábado, 17 de maio de 2014

A leitura do poema mostra grande semelhança com a criação poética. O poeta cria imagens, poemas; o poema faz do leitor imagem, poesia


O Arco e a Lira - Octavio Paz 

sexta-feira, 16 de maio de 2014

CAMINHO

Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem mais sabia aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!

Mario Quintana
Esconderijos do Tempo

terça-feira, 13 de maio de 2014

Saudade é a palavra mágica que reconcilia o interior fantasioso e agitado de cada um de nós, com a realidade imprevista e dura do mundo!


Roberto Damatta
para uma história ser 'boa' – ou seja, memorável – ela deve ser encarnada por personagens fortes, verdadeiros e humanos. Um problema frequente nos roteiros é o de que os personagens respondem mais às necessidades do roteirista do que às suas próprias necessidades como seres humanos de carne e osso.


Miguel Machalski

domingo, 11 de maio de 2014

sábado, 10 de maio de 2014

"Em um minuto apenas há tempo
Para decisões e revisões que um minuto revoga"

(T.S. Eliot, em "A canção de Amor de J. Alfred Prufrock)

sexta-feira, 9 de maio de 2014

O raciocínio é reto e tenta seguir
a precisão cínica das formas geométricas
em seu percurso, é atingido no peito
pela insensatez curvilínea e imprevisível das paixões.
A ferida, quase fatal, não mata, mas também
não torna mais forte.


(...)

Rordrigo Ribeiro (link)
o que tem não ter pressa?
o que tem
quem tem pressa?
não estou atrasada para nada
que não estou


Fernanda Tatagiba
o outro lado do mar
mesma terra
o outro lado do céu
mesmo mar
o outro lado da terra
mesmo céu

tudo muito distante
de ser diferente



Fernanda Tatagiba

quinta-feira, 8 de maio de 2014




O universo é infinito
como a luz do primeiro olhar
e a escuridão do último beijo


Fernanda Tatagiba
foto: Salvador Dali 


segunda-feira, 5 de maio de 2014

a verdade não é vista
a mentira se arisca 

a verdade só é ela
a mentira veio com a costela 

a verdade não pode ser outra
a mentira nunca é a mesma

a verdade tudo sabe
a mentira é filha da vontade

a verdade não é vendida
a mentira nunca é paga

a verdade sempre impera
a mentira governa 



Fernanda Tatagiba



Te amo e o tempo 
não varreu isso de mim
por isso estou partindo 
tão forte assim


Hermam Torres e Salgado Maranhão




Causa e efeito

Os melhores sempre morrem por suas próprias mãos
apenas para ficarem livres,
e aqueles que ficaram
nunca conseguirão entender
porque alguém
iria querer
se livrar
deles.



Bukowski

Em nossas artérias nossas raízes

chamaram raízes os finos rastros de tinta
            vermelha
ou as cordas que artérias ou fios
davam luz e lembravam terra

marcaram as vozes na pele
e chamaram raízes as vozes
            vermelhas
que cantaram braços e pulmões

marcas novas frescas na pele
            cinzenta
onde furos agudos
onde
ferros tantos
onde costa ereta, sinal de ônibus. Anemia

sobre a escultura do bíceps sobre
a dor descomunal de um piercing
traços frescos
            de tinta
vermelha
insinuando-se além da gasolina que queimava
para alimentar o refino da gasolina

além a tinta
            fresca
os fios que enfiavam sob a pele
para que fossem artérias
para que fosse corpo
            vermelho
cada pedaço da casa
que devoravam como terra
e como terra criaram raízes


João Gabriel Ascenso lançou livro recentemente pela coleção Kraft


domingo, 4 de maio de 2014

melanina, menina, melanina!
aprende o que é bom, menina: melanina!
entende quem és, menina bonita
se vê linda, menina, melanina!
sem cabelo liso ou pele branquinha
melanina, menina, melanina!


Naomi Cary

sábado, 3 de maio de 2014

Condição Humana

Minha condição é muito pequena. Sinto-me constrangida. A pondo de que seria inútil ter mais liberdade: minha condição pequena não me deixaria fazer uso da liberdade. Enquanto que a condição do universo é tão grande que não se chama de condição. O meu descompasso com o mundo chega a ser cômico de tão grande. Não consigo acertar o passo com ele. Já tentei me pôr a par do mundo, e ficou apenas engraçado: uma de minhas pernas sempre curta de mais. O paradoxo é que minha condição de manca é também alegre porque faz parte dessa condição. Mas se me torno séria e quero andar certo com o mundo, então me estraçalho e me espanto. mesmo então, de repente, rio de um riso amargo que só não é uma porque é de minha condição.A condição não se cura, mas o medo da condição é curável. 


 Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo