domingo, 10 de novembro de 2013

Duas filhas de Amon-Rá

Ela escreve palavras à força no meu corpo usando esferográfica azul. É um fetiche. No início me incomodava, agora já me acostumei até mesmo com o cheiro horrível de tinta. Às vezes peço que faça desenhos pornográficos. Ela ri, desenha algo tolo e se cansa da própria cena que criou. Propõe inversão e eu detesto. Talvez eu seja uma literata de lata passiva. "Vira-lata", me acusa. E eu não me importo. "Vira-lata do amor", admito. "Mas você também é". Vive dizendo a todos que o meu texto é abusado, "graças a Amon-Rá" já que eu teria um jeito de intelectual conservadora que só Deus. Canta Janis Joplin no chuveiro. Dança funk. Quer me ensinar sobre o I-Ching, física nuclear e signos. É uma mulher de Touro. Não combina comigo e eu não me importo. Não é fiel. Mas eu não me importo. Acha que matar mosquitos com raquete elétrica é crime hediondo. Tem a voz linda e mata baratas aos gritos. Ela vai à praia quando sente raiva ou tristeza porque pensa que o mar é maior que qualquer fúria ou dor. Toma Prozac quando dá na telha. Consegue fazer as mais belas encenações de amor quando está com TPM. Não sente cólicas. Não sente o frio. Não sente calor. Não sente nada. E eu não me importo. Ela diz que precisa da esferográfica azul. Em mim. Precisa do ritual. Ela é louca. Outro dia tentou começar um texto nada disfarçadamente na minha perna durante um chorinho no Bip Bip. Mas ela tem a voz linda e é capaz de me convencer a fazer as maiores maluquices. Sempre me chama de intelectual vira-lata e careta quando quer me controlar, eu deixo pra lá. Porque ela tem a voz linda. O único problema é que ela fica perigosamente perto da janela quando briga comigo. E eu não me importo.


Viviane de Sales

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