os mais variados carrascos, ditadores, fanáticos e demagogos, que lutam pelo poder com a ajuda de meia dúzia de slogans, também gostam do seu trabalho e também o fazem com imaginação. Sim. Mas eles sabem. Sabem. E o que sabem chega-lhes para a vida inteira. Nada mais lhes interessa, pois o resto poderia enfraquecer a força de seus argumentos. Mas o saber que não dá origem a novas perguntas, rapidamente se torna um saber morto. Nos casos mais extremos, como sabemos da história antiga e recente, esse saber consegue ser uma ameaça mortal para a sociedade. Por isso, eu tenho em grande estima duas pequenas palavras: não sei.
Wislawa Szymborka
sábado, 31 de maio de 2014
A fugacidade dos sonhos leva a que a memória os sacuda facilmente de si
A realidade não tem que recear o esquecimento
Pesada é a sua arte
Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés
Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia
E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera
Wislawa Szymborska
A realidade não tem que recear o esquecimento
Pesada é a sua arte
Senta-nos no pescoço, pesa-nos no coração, enreda-se nos pés
Dela não há fuga possível porque em cada fuga nossa a temos por companhia
E não há estação no decurso da viagem em que não esteja à nossa espera
Wislawa Szymborska
museu
Há pratos, mas falta apetite.
Há alianças, mas o amor recíproco se foi
há pelo menos trezento anos.
Há um leque –onde os rubores?
Há espada– onde a ira?
E o alaúde nem ressoa na hora sombria.
Por falta de eternidade
juntaram dez mil velharias (…)
A coroa sobreviveu à cabeça.
A mão perdeu para a uva.
A bota direita derrotou a perna.
Quanto a mim, vou vivendo, acreditem.
Minha competição com o vestido continua.
E que teimosia a dele!
Como ele adoraria sobreviver!
Wislawa szymborska
Coração batendo sem que se ouça
Dias se sucedem,
semanas se sucedem,
torvelinham
num galope célere;
como se cavalgássemos
sobre um tempo de aço
voando
– olhos abertos –
pelo espaço.
Assim a vida,
ela nos atravessa –
o ouvido zoa,
o coração dispara,
como
se quisesse
saltar para
fora,
– é só o que lhe resta!
Se alguém
tenta detê-lo,
ele se altera:
toca a rebate,
dá por paus e pedras!
E quantas vezes
o coração
explode
e não se ouve
a explosão
que o sacode.
Nicolai Assiéivev
Tradução de Haroldo de Campos
sexta-feira, 30 de maio de 2014
pra que a pressa?
o amor acabou
devolver o choro
aos filmes
e a graça
aos outros
pra que a pressa?
terminamos
antes do limite do fim
ainda há tempo
de lembrar
de esquecer de novo
o amor acabou
recolhemos a dança
de março
depois da chuva
pra que a pressa?
correremos juntos
um para cada lado
Fernanda Tatagiba
o amor acabou
devolver o choro
aos filmes
e a graça
aos outros
pra que a pressa?
terminamos
antes do limite do fim
ainda há tempo
de lembrar
de esquecer de novo
o amor acabou
recolhemos a dança
de março
depois da chuva
pra que a pressa?
correremos juntos
um para cada lado
Fernanda Tatagiba
quinta-feira, 29 de maio de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
Sabedoria
Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.
Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.
Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.
Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.
Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar. . .
E venha a morte quando Deus quiser.
Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.
José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'
segunda-feira, 26 de maio de 2014
isso é um fato
na companhia de tolos
nós relaxamos em
aterros ordinários,
apreciamos comida ruim,
bebida barata,
conhecemos homens e
mulheres do
inferno.
na companhia de tolos
jogamos os dias fora como
guardanapos de papel.
nós relaxamos em
aterros ordinários,
apreciamos comida ruim,
bebida barata,
conhecemos homens e
mulheres do
inferno.
na companhia de tolos
jogamos os dias fora como
guardanapos de papel.
com essa companhia
nossa música é alta e nosso
riso
falso.
nossa música é alta e nosso
riso
falso.
não temos nada a perder
além de nós mesmos.
além de nós mesmos.
junte-se a nós
nós somos agora
quase que
todo o
mundo.
nós somos agora
quase que
todo o
mundo.
Deus nos
abençoe
abençoe
Bukowski
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
e quando, novamente brigamos...
você sem pensar direito diz: vou embora!
eu, porque penso demais, digo : então vai!
eu torço pra que você não tenha coragem de ir.
você torce pra eu ter coragem de pedir pra você ficar.
E você tem coragem de ir, infelizmente.
E me falta coragem de pedir pra você ficar, infelizmente.
E a porta bate, mais uma vez.
E nunca sei se você voltará, embora sempre tenha voltado.
e não temos coragem de perguntar se ficamos com outras pessoas nesse tempo que estivemos afastados um do outro.
e no fundo , pouco importa, porque, no fundo, no fundo, pouco importa.
E o que mais quero é te contar tudo de bom que aconteceu enquanto você esteve longe.
Mas, acontece que nada aconteceu de bom enquanto você esteve longe, justamente porque você esteve longe.
e só assim percebo, que preciso,
de você, por perto,
e sem saber de tudo isso que escrevi.
Você desiste da ideia de ir embora. e diz:
Sei que você precisa de mim! Eu também preciso de você! Por isso voltei!
Felipe Araujo
O que não cola aos olhos
se recolhe às dobras da voz em trevas para outra noite
reticente nos lábios infinitos do murmúrio
atados pelo impulso da maré escura
que dimana no silêncio no momento
em que o pulso separa as mil peles do escombro
e o ser expulso gira no interlúdio
ao sair do tumulto ilusório que gera a cegueira
por não conter a febre em seus enclausuráveis poros.
se recolhe às dobras da voz em trevas para outra noite
reticente nos lábios infinitos do murmúrio
atados pelo impulso da maré escura
que dimana no silêncio no momento
em que o pulso separa as mil peles do escombro
e o ser expulso gira no interlúdio
ao sair do tumulto ilusório que gera a cegueira
por não conter a febre em seus enclausuráveis poros.
Contador Borges
domingo, 25 de maio de 2014
Dois, como necessário ao
abraço. Um, como possível no beijo. Encarnados no começo. A inocência da timidez
descoberta. O amor sem a forma de outros nomes. Ainda novos, apesar de jovens. Andam
despreocupadamente juntos. Alguém poderia passar nesse instante entre eles, na
calçada, e desatar as mãos. Tiraria um pedaço do infinito, antecedendo o fim. O único
amor que não sabe que é o primeiro. Alguém poderia passar ali e dizer para
aproveitar, mas continuaram como antes. Ou contar que tudo não passa de um
momento, que acabaria em alguns anos. Espalhados em bancos, em baixo de árvores,
dedos entre as mãos, seguem duvidando.
Fernanda Tatagiba
sábado, 24 de maio de 2014
sexta-feira, 23 de maio de 2014
coração
É tão leve o espelho que sua decisão é voar
gostaria de achar um céu:
alto alto celeste grande grandíssimo
em contato
uma grandeza
(é agora que se nos revela um ínfimo cristal)
Nada disto pode escrever:
o gesto que traça a liberdade ea liberdade dos limites
O espelho bate
dobra sobre si a musculatura
torce em hélice e, finalmente, voltar encartar
A grandeza
que não guarda relação com a medida
pensasse no coração
"Você tem que termar das águas
sua decisão é voar "
Nada se assemelha ao mundo
que é separado e desigual e outro
mundo tudo o que é
Nunca termina nunca o inferno
e nunca é verdade
Como a sombra do céu nas águas
e da floresta no céu das águas
rítmico
como um dia de nevoeiro
É enxuto permanecer aqui
(um deserto abra qualquer crença e também a fortaleza abra)
é liberada agudo estreito
Chus Pato
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Fartura e Carência
Mas o pior é
o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e não se
quer mais nada. Cansaço dos Beatles. E cansaço também daqueles que não
são. Cansaço
inclusive de minha liberdade íntima que foi tão duramente conquistada. Cansaço
de um amar o
outro. Melhor seria o ódio. O que me salvaria dessa impressão de fartura -
é fartura ou
uma liberdade de que está sendo inútil? - seria a raiva. Não um tipo de
raiva amorosa que
existe. Mas a raiva simples e violenta. Quanto mais violenta, melhor. Raiva
dos que não
sabem de nada. Raiva também dos inteligentes do tipo que dizem coisas.
Raiva do cinema novo,
por que não? E o outro cinema também. Raiva da afinidade que sinto com algumas
pessoas, como se já não houvesse fartura de mim em mim. E raiva do sucesso?
O sucesso é
uma gafe, é uma falsa realidade. A raiva me tem salvo a vida. Sem ela o que
seria de mim? Como
suportaria eu a manchete que um dia saiu no jornal dizendo que cem
crianças morrem no
Brasil diariamente de fome? A raiva é a minha revolta mais profunda de
ser gente? Ser
gente me cansa. E tenho raiva de sentir tanto amor. Há dias que vivo de raiva
de viver.
Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta. Bem sei que isso
vai passar, e
que a carência necessária volta. Então vou querer tudo, tudo! Ah como é
bom precisar e
ir tendo. Como é bom o instante de precisar que antecede o instante de se ter.
Mas ter
facilmente, não. Porque essa aparente facilidade cansa. Até escrever está sendo
fácil? Por que é
que eu escrevia com as entranhas e neste momento estou escrevendo com a
ponta dos dedos? É
um pecado, bem sei, querer a carência. Mas a carência de que falo é mais plenitude do
que essa espécie de fartura. Simplesmente não a quero. Vou dormir porque não estou
suportando este meu mundo hoje, cheio de coisas inúteis. Boa-noite para sempre,
para sempre. Até
sábado que vem. E não me respondam: não quero ouvir a voz humana. E se suporto a
minha voz se despedindo é porque ela piora de muito a minha raiva. Só uma
raiva, no entanto, é bendita: a dos que precisam.
Clarice Lispector
Poema do Silêncio
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.
José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
- Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.
José Régio, in 'As Encruzilhadas de Deus'
terça-feira, 20 de maio de 2014
O BLUEBIRD
meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo, fica aí dentro, eu não vou
deixar ninguém
te ver.
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo, fica aí dentro, eu não vou
deixar ninguém
te ver.
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu taco uísque nele e respiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas de mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.
que quer sair
mas eu taco uísque nele e respiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas de mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo,
fica na tua, você quer me pôr
em apuros?
você quer sacanear a minha
obra?
acabar com a minha venda de livros na
Europa?
que quer sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo,
fica na tua, você quer me pôr
em apuros?
você quer sacanear a minha
obra?
acabar com a minha venda de livros na
Europa?
em meu coração tem um pássaro
que quer sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo.
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
que quer sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo.
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
daí o ponho de volta,
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme junto desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isso é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme junto desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isso é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?
Bukowski
domingo, 18 de maio de 2014
sábado, 17 de maio de 2014
sexta-feira, 16 de maio de 2014
CAMINHO
Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem mais sabia aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!
Mario Quintana
Esconderijos do Tempo
Esconderijos do Tempo
terça-feira, 13 de maio de 2014
para uma história ser 'boa' – ou seja, memorável – ela deve ser encarnada por personagens fortes, verdadeiros e humanos. Um problema frequente nos roteiros é o de que os personagens respondem mais às necessidades do roteirista do que às suas próprias necessidades como seres humanos de carne e osso.
Miguel Machalski
Miguel Machalski
sábado, 10 de maio de 2014
sexta-feira, 9 de maio de 2014
O raciocínio é reto e tenta seguir
a precisão cínica das formas geométricas
em seu percurso, é atingido no peito
pela insensatez curvilínea e imprevisível das paixões.
A ferida, quase fatal, não mata, mas também
não torna mais forte.
(...)
Rordrigo Ribeiro (link)
quinta-feira, 8 de maio de 2014
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Causa e efeito
Os melhores sempre morrem por suas próprias mãos
apenas para ficarem livres,
e aqueles que ficaram
nunca conseguirão entender
porque alguém
iria querer
se livrar
deles.
Bukowski
apenas para ficarem livres,
e aqueles que ficaram
nunca conseguirão entender
porque alguém
iria querer
se livrar
deles.
Bukowski
Em nossas artérias nossas raízes
chamaram raízes os finos rastros de tinta
vermelha
ou as cordas que artérias ou fios
davam luz e lembravam terra
marcaram as vozes na pele
e chamaram raízes as vozes
vermelhas
que cantaram braços e pulmões
marcas novas frescas na pele
cinzenta
onde furos agudos
onde
ferros tantos
onde costa ereta, sinal de ônibus. Anemia
sobre a escultura do bíceps sobre
a dor descomunal de um piercing
traços frescos
de tinta
vermelha
insinuando-se além da gasolina que queimava
para alimentar o refino da gasolina
além a tinta
fresca
os fios que enfiavam sob a pele
para que fossem artérias
para que fosse corpo
vermelho
cada pedaço da casa
que devoravam como terra
e como terra criaram raízes
João Gabriel Ascenso lançou livro recentemente pela coleção Kraft
domingo, 4 de maio de 2014
sábado, 3 de maio de 2014
Condição Humana
Minha condição é muito pequena. Sinto-me constrangida. A pondo de que seria inútil ter mais liberdade: minha condição pequena não me deixaria fazer uso da liberdade. Enquanto que a condição do universo é tão grande que não se chama de condição. O meu descompasso com o mundo chega a ser cômico de tão grande. Não consigo acertar o passo com ele. Já tentei me pôr a par do mundo, e ficou apenas engraçado: uma de minhas pernas sempre curta de mais. O paradoxo é que minha condição de manca é também alegre porque faz parte dessa condição. Mas se me torno séria e quero andar certo com o mundo, então me estraçalho e me espanto. mesmo então, de repente, rio de um riso amargo que só não é uma porque é de minha condição.A condição não se cura, mas o medo da condição é curável.
Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo
Clarice Lispector - A Descoberta do Mundo
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