sábado, 25 de janeiro de 2014

Fumaça

Nunca fumei, mesmo sendo esse o mais bonito dos vícios. Achava sexy antes de saber do sexo e de descobrir essa palavra entre os diálogos dos filmes americanos. 
Por onde anda aquele cigarro de menta antigo tragado no beco do bairro? Doeu entre a boca e o corpo todo. Tossi tanto e fundo, muito, até deixar minha rebeldia ridícula. Parei, acreditando ser possível ficar só com a parte indolor das coisas. Deixei passar a chance - em duas tragadas se perde muito mais que um cigarro. 
Mais tarde quando descobri o sexo e quis fazer do cigarro seu descanso, como os cafajestes deitados em motéis baratos e as mulheres consumidas em seu olhar de tédio de fim de noite, era tarde. Junto com o sal e o atropelamento, cigarro mata, talvez mais. Menos que as guerras.  
Em meus delírios de adolescente, respondia: "você tem fogo?" com isqueiro e um sorriso de dúvida. Mas já era tarde. Hoje, andando na rua, lamento que ninguém me peça um cigarro. Os fumantes se reconhecem.
Do que falam as conversas cobertas de fumaça, de segredo, que observo do outro lado, na mesa do bar? Um ponto vermelho no escuro movimenta as mãos, imagino a boca.    
O cigarro é o consumo do impossível, o silêncio queimando dentro da boca, subindo, saindo do peito, reencarnando na ponta de um isqueiro, já em outro cigarro que acende quando alguém passa. Ar branco, cinza contra luz, que percorre as madrugadas. Alguém fumando sentado na calçada é mais solitário que qualquer um, que todos nós juntos. Uma secura que ninguém se aproxima, não pelo cheiro amargo como outras coisas, mas para não interromper o que não poderia ser repetido em outro cigarro.
É fumaça que teria sido as palavras se não fossem escritas no papel. Tem a mesma cor das cartas queimadas antes de serem enviadas. Quando se escreve para ninguém lê e guarda na gaveta. A mesma textura da poeira presa na teia da aranha. Fumaça que vai subindo até o ponto de sumir, virar nuvem, um desenho que o vento leva.
Um dia, tentei fingi que fumava, acendi um cigarro como quem denuncia o próprio crime. As mãos que faziam força no equilíbrio entre os dedos entortavam o andar e a fumaça fugia para o outro lado, seguindo o vento.
Cigarro, um dedo torto gastando e renascendo a cada ano, sem nada de novo. Cicatriz branca pra fora das varandas do mundo.
Deixei de fumar por que nunca fumei. Foi assim que deixei também de ser mais sexy e americana. No pós sexo respiro fundo, buscando os amantes com mais cigarros no bolso, admirando esses que parecem dispostos a morrer pela beleza, por meus olhos.  


Fernanda Tatagiba

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