Nunca fumei, mesmo sendo esse o mais bonito dos
vícios. Achava sexy antes de saber do sexo e de descobrir essa palavra entre os
diálogos dos filmes americanos.
Por onde anda aquele cigarro de menta antigo tragado
no beco do bairro? Doeu entre a boca e o corpo todo. Tossi tanto e fundo,
muito, até deixar minha rebeldia ridícula. Parei, acreditando ser
possível ficar só com a parte indolor das coisas. Deixei passar a chance -
em duas tragadas se perde muito mais que um cigarro.
Mais tarde quando descobri o sexo e quis fazer do
cigarro seu descanso, como os cafajestes deitados
em motéis baratos e as mulheres consumidas em seu olhar de tédio de
fim de noite, era tarde. Junto com o sal e o atropelamento, cigarro mata,
talvez mais. Menos que as guerras.
Em meus delírios de adolescente, respondia:
"você tem fogo?" com isqueiro e um sorriso de dúvida. Mas
já era tarde. Hoje, andando na rua, lamento que ninguém me peça um cigarro. Os
fumantes se reconhecem.
Do que falam as conversas cobertas de fumaça, de
segredo, que observo do outro lado, na mesa do bar? Um ponto vermelho no escuro
movimenta as mãos, imagino a boca.
O cigarro é o consumo do impossível, o silêncio
queimando dentro da boca, subindo, saindo do peito, reencarnando na ponta de um
isqueiro, já em outro cigarro que acende quando alguém passa. Ar branco, cinza
contra luz, que percorre as madrugadas. Alguém fumando sentado na calçada é
mais solitário que qualquer um, que todos nós juntos. Uma secura que ninguém se
aproxima, não pelo cheiro amargo como outras coisas, mas para não interromper o
que não poderia ser repetido em outro cigarro.
É fumaça
que teria sido as palavras se não fossem escritas no papel. Tem a mesma cor das
cartas queimadas antes de serem enviadas. Quando se escreve para ninguém lê e
guarda na gaveta. A mesma textura da poeira presa na teia da aranha. Fumaça que
vai subindo até o ponto de sumir, virar nuvem, um desenho que o vento leva.
Um dia, tentei fingi que fumava, acendi um cigarro
como quem denuncia o próprio crime. As mãos que faziam força no equilíbrio
entre os dedos entortavam o andar e a fumaça fugia para o outro lado, seguindo
o vento.
Cigarro, um dedo torto gastando e renascendo a cada
ano, sem nada de novo. Cicatriz branca pra fora das varandas do mundo.
Deixei de fumar por que nunca fumei. Foi assim
que deixei também de ser mais sexy e americana. No pós sexo
respiro fundo, buscando os amantes com mais cigarros no
bolso, admirando esses que parecem dispostos a morrer pela beleza,
por meus olhos. Fernanda Tatagiba
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