segunda-feira, 31 de março de 2014

Tem um peixe vivo morando dentro de mim
Sinto seu batimento enfraquecido
Pelo estômago
Nada tão forte 
Que esvazia o aquário
E eu aqui
Tendo que me virar
Para controlar
A água
Que insiste
Em transbordar
Pelo meu olho


Taís de Amorim

domingo, 30 de março de 2014

por onde ossos
cresci 
em quantos olhos 
mudei 
enquanto trocavam
meu nome de maternidade
na mesma cidade
de todas as outras
nenhuma pessoa
menos eu



Fernanda Tatagiba
chegamos sempre atrasados para os fatos e adiantados para a fantasia 


Fernanda Tatagiba
morre-se jovem
em cada ruga uma fisgada de fuzil 
presos pela pressa 
espremidos em seus cotovelos 
prenhos do Tempo 
mais longo que o desespero



Fernanda Tatagiba
O poente que não cicatriza
ainda fere a tarde.
As cores trêmulas se acolhem
nas entranhas das coisas.
No aposento vazio
a noite fechará os espelhos.


Borges
o fim da nossa exploração será voltar ao começo e perceber o início pela primeira vez

T. S. Eliot
pouco se sabe sobre o que se senta
cadeira 
madeira 
chão
poeira 
vamos com o que se levanta
o mistério permanece



Fernanda Tatagiba

sábado, 29 de março de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira


Clarice Lispector - frase do conto Felicidade Clandestina 

domingo, 23 de março de 2014

nessa coisa de amor
mordo
nessa coisa 
nem morto 
de novo 
amor
só volto 
viva



Fernanda Tatagiba
no
fim
da
rua
tem
o
rio
no
fim
do
rio
tem
o
mar
no
fim
do
mar
tem
o
céu
o
sol
e
a
lua
que

pra
ver
do
fim
da
rua

Tchello d’Barros
Então a Clarice Lispector pergunta ao Hélio Pellegrino:

CL: Hélio, diga-me agora, qual a coisa mais importante do mundo?

HP: A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma, cálida, e intensa mutualidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele, na medida em que recebo sua graça, conquisto para mim a graça de existir. É esta a fonte da verdadeira generosidade e do autêntico entusiasmo - Deus comigo. O amor ao Outro me leva à intuição do todo e me compele à luta pela justiça e pela transformação do mundo
desse lado do angulo
parece muito com o outro
visto da esquina 
que imaginamos 
um sofá azul
todo azul é infinito 
e furamos com duas dentadas
o visível 


Fernanda Tatagiba
O mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família

Mário Quintana 

segunda-feira, 17 de março de 2014

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Drummond 
visto
com a roupa do olho 

o vento que passa
deixa a distância

pendurados
no que temos
por dentro 

vaso
no que habito

é pouco
o outro
que me salva 



Fernanda Tatagiba 

domingo, 16 de março de 2014

enquanto ela dormia
eu fingia está acordado

da outra ilha 
via a cama cercar seu corpo 
se mexia sem sinal de sono
sonhava em sinal de vida

parte do se movia
o lençol levava
outra ficava 
na nova posição

o cabelo escondendo o rosto 
o cotovelo pra dentro do peito 
o esforço em está nu

dormir para acreditar 
ser visto 

Fernanda Tatagiba

quinta-feira, 13 de março de 2014



mas liberdade mesmo não existe. Estou sempre esbarrando em alguém para ser livre.

Rodrigo de Souza Leão 

terça-feira, 11 de março de 2014

uma palavra morre
quando é dita-
dir-se-ia-
pois eu digo
que ela nasce 
nesse dia

Emily Dichkinson
insones
e só

muitos são os apartamentos
só 

pelas ruas os carros seguem


latidos


cigarro

todos esperando um segredo
são muitas manhãs



Fernanda Tatagiba

sábado, 8 de março de 2014

nada de mais
muito
tanto, que nem sobra



Fernanda Tatagiba
som do fiapo 
do fim
o sussurro some
no vento que volta 

dispara o silêncio

o barulho não espera 
o começo



Fernanda Tatagiba
O que é preciso?
É preciso fazer um requerimento
e ao requerimento anexar um currículo.


O currículo tem que ser curto
mesmo que a vida seja longa.


Obrigatória a concisão e seleção dos fatos.
Trocam-se as paisagens pelos endereços
e a memória vacilante pelas datas imóveis.


De todos os amores basta o casamento,
e dos filhos só os nascidos.


Melhor quem te conhece do que o teu conhecido.
Viagens só se for para fora.
Associações a quê, mas sem por quê.
Distinções sem a razão.


Escreva como se nunca falasse consigo
e se mantivesse à distância.


Passe ao largo de cães, gatos e pássaros,
de trastes empoeirados, amigos e sonhos.


Antes o preço que o valor
e o título que o conteúdo.
Antes o número do sapato que aonde vai,
esse por quem você se passa.


Acrescente uma foto com a orelha de fora.
O que conta é o seu formato, não o que se ouve.
O que se ouve?
O matraquear das máquinas picotando o papel.



Wislawa Symborska 

segunda-feira, 3 de março de 2014

o susto nunca é lento
para antes
do fim do grito

antes das fibras
do fato 
do facho de luz
dos fogos

antes do corpo ir para frente
atrás do medo

termina no ponto
de antes

no mesmo 

algo sempre conduz
ao inesperado



Fernanda Tatagiba
a escada coberta de folhas
de sombra
sem marcas 
das solas dos pés 
lisa do lodo
da chuva de antes

longe da entrada

a escada
não desfaz
o outro lado



Fernanda Tatagiba