segunda-feira, 28 de abril de 2014

O modernismo é moderno quando tem consciência de sua mortalidade, ou seja, quando não se leva a sério, injeta uma dose de prosa no verso e faz poesia com a crítica da prosa. 

Octávio Paz - Os Filhos do Barro 
Como estou só: Afago casas tortas,
Falo com o mar na rua suja...
Nu e liberto levo o vento
No ombro de losangos amarelos.

Ser menino aos trinta anos, que desgraça
Nesta borda de mar de Botafogo!
Que vontade de chorar pelos mendigos!
Que vontade de voltar para a fazenda!
Por que deixam um menino que é do mato
Amar o mar com tanta violência?


Na enseada de Botafogo, Manoel de Barros

domingo, 27 de abril de 2014


Poema meu na segunda edição da revista EuOnça. O lançamento será dia 3 de maio em Campinas.

Fernanda Tatagiba

seja você
em tudo que farsa



Fernanda Tatagiba
os braços
balançam o peso 
do ombro

o pendulo 
do pescoço

no caminho 
dos olhos


Fernanda Tatagiba
não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.
no entanto
eu quero que ela
saiba
que dormir todas as noites
a seu lado
e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas
e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora ser ditas:
eu te
amo.

Bukowski

sábado, 26 de abril de 2014

Eu não sei se todos os povos amam os seus dentistas, mas todos os povos amam os seus poetas. No Brasil, por exemplo, Vinicius de Moraes, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Milton Nascimento e seus parceiros… Os poetas são amados por milhões. Por que os povos amam os seus poetas? Porque os povos precisam disso, porque os poetas dizem coisas que as pessoas precisam que sejam ditas. O poeta não é um ser de luxo, não é uma excrescência ornamental da sociedade; ele é uma necessidade orgânica de uma sociedade. A sociedade precisa daquela “loucura” pra respirar. É através da loucura dos poetas, através da ruptura que eles representam que a sociedade respira. 


Leminsk

sexta-feira, 25 de abril de 2014

35

é preciso dizer
que não há mais nada a celebrar
nem os homens
nem as ideias
nem o tempo

essa fenda
que te atravessava a vida
esse rasgão generoso
que te aproximava os céus
fechou-se

estás perante o escuro silêncio
das coisas mortas

não abandones os espelhos

ainda que quebrados
eles são o palácio derradeiro
o último jardim
a gota impossível
de secar

guarda aí a semente
as palavras
as vozes
as imagens

porque o amor
é um minucioso trabalho do tempo
em direcção à morte


gil t. sousa
falso lugar
2004

quarta-feira, 23 de abril de 2014

quando uma coisa produz silêncio
ela está
pronta

(...)

colher com discreta
violência o primeiro
silêncio do
dia


(...)

nascente
córrego
cachoeira
ribeirão
eu choro

pra pertencer à paisagem


(...)

porque a palavra me pega de dois jeitos: de um jeito que não basta sabê-la de um jeito que me come

(...)

no canto da sala a cadeira da minha
avó onde um dia
a dor

me esperará

(...)

dois vaga lumes no pote

e o silêncio dos retratos

(..)

nem o riso das crianças
alivia
nossa

ternura



Mariana Botelho - poemas retirados do livro: O Silêncio Tange o Sino 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

não são as coisas que fazemos que nos ferem e sim o que fazemos depois delas 

Mary MacCarthhy
a procura revela o acaso 


Fernanda Tatagiba
O excesso de capacidade, energia, talento, força, amor é expresso por cada espécie de um modo específico. Nas cabras, pulando; nos seres humanos, criando arte. 

David Mamet no livro Os Três Usos da Faca 
Entre o olho e a coisa cai a sombra


Willliam S. Burroughs

domingo, 20 de abril de 2014

Nascer de novo

Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.


Drummond

sábado, 19 de abril de 2014




aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína



fotografia: Thalita Covre

frase da letra Fora da Ordem de Caetano Veloso


Espaço
Ainda há espaço
para um poema
Ainda é o poema
um espaço
Onde se pode respirar

Rose Ausländer: "Raum" / "Espaço": trad. Antonio Cicero

quarta-feira, 16 de abril de 2014

não vamos recomeçar tudo sem novo 


Fernanda Tatagiba

Funil

céu
deserto 
de nuvem branca
a terra 

no fundo
uma gota de azul
na ponta de cada olho



Fernanda Tatagiba

A rima

A rima é algo necessário. Valéry me convenceu de que, para se criar algo, é necessário um esforço. Um obstáculo diante do ser o obriga a muito mais esforço e faz com que ele atinja o seu extremo. Para mim, a rima é uma necessidade que precisa se impor.


João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 15 de abril de 2014

A tragédia é a celebração não do nosso triunfo eventual, mas da verdade; não é uma vitória, mas uma resignação. Muito do seu poder tranquilizador vem, mas uma vez daquela operação descrita por shakepeare: quando o remédio se exaure finda também o sofrimento. 


David Mamet no livro Três Usos da Faca 

domingo, 13 de abril de 2014

(...) buscamos a nós mesmos na alteridade, nela nos encontramos e , depois de nos confundirmos com esse outro que inventamos e que não passa de um reflexo nosso, rapidamente nos separamos desse fantasma, deixando-o para trás, e corremos de novo em busca de nós mesmos, atrás de nossa sombra. Um contínuo ir em frente, sempre em frente- não sabemos aonde. E a isso chamamos: progresso.


Octávio Paz no livro Os Filhos do Barro 

sábado, 12 de abril de 2014

uma pequena coisa azul

Hoje
uma pequena coisa azul
Como um berlinde 
ou um olho 

Como os meus joelhos contra a minha boca
sou perfeitamente redonda
e observo-te

Sou fria contra a tua pele 
O teu reflexo em mim é perfeito 
Estou perdida dentro do teu bolso
Estou perdida no meio 
dos teus olhos 

Tombo pelas escadas
Salto no passeio
Sou lançada de encontro ao céu
Caio como pingos de chuva
E espalho-me como luz 

Suzanne Vega 



quarta-feira, 9 de abril de 2014

antes do sexo
depois do amor
antes do amor
depois da morte
antes do começo 


Fernanda Tatagiba
o silêncio ficou preso no elevador
entre dois andares
e outras pessoas 
tonto
vertical 
sem o fôlego da ausência 
de assunto
depois do grito 
todos sairam
por pouco, mais leve



Fernanda Tatagiba
a diferença entre um fato qualquer para um fato ao vivo é que nenhum é anônimo


Fernanda Tatagiba
pela metáfora reconciliar
as pessoas e as pedras


Wiliam Carlos Williams 

terça-feira, 8 de abril de 2014

O fato de nossas ações, pensamentos, sentimentos, mesmo movimentos nos chegarem à consciência, é consequência de uma terrível obrigação que por longuíssimo tempo governou o ser humano: ele precisava, sendo o animal mais ameaçado, de ajuda, proteção, precisava de seus iguais, tinha de saber exprimir seu apuro e fazer-se compreensível. Pois, dizendo-o mais uma vez: o ser humano, como toda criatura viva, pensa continuamente, mas não o sabe; o pensar que se torna consciente é apenas a parte menor, a mais superficial, a pior, digamos: pois apenas esse pensar consciente ocorre em palavras, ou seja, em signos de comunicação.


Nietzsche

domingo, 6 de abril de 2014

O Espírito

Seja o que for que aconteça
Em qualquer situação
É meu desejo
Que o meu espírito se mantenha
Sem fronteiras



Meiji

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Deus, que será de ti quando eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
A tua água (e se me corromper?)
Sou teu agasalho, sou teu afazer.
Vai comigo o significado teu.
Não tens mais sem mim aquela casa, Deus,
que com quentes palavras te acolhia.
Perdem teus pés exaustos as macias
sandálias: também elas eram eu.
De ti desprende-se o teu longo manto.
O teu olhar, que a minha face, quente
coxim acolhe, virá entrementes,
virá procurar-me longamente
e deitar-se depois, ao sol poente,
entre pedras estranhas, nalgum canto.
Deus, que será de ti?
Tenho medo, tanto...

terça-feira, 1 de abril de 2014

o cimento fechado das ruas
invade as calçadas
as vitrines
os olhares 
endurece as cortinas 
-mar cinza
pregos nas nuvens 
ninguém para


Fernanda Tatagiba